18 de jan. de 2016

Entrevista - Luciana Simões (Projeto BR 135)



Entrevistamos por e-mail a cantora Luciana Simões, que é integrante do grupo Criolina juntamente com o músico e cantor Alê Muniz, Luciana também é uma das idealizadoras do Projeto Cultural BR 135. Nos últimos anos o projeto é um dos poucos voltados para a divulgação dos artistas musicais do Estado do Maranhão. Na entrevista a cantora faz um balanço do projeto depois de algumas edições, dos desafios de tornar a música e a cultura maranhense mais próxima dos principais centros culturais do país, e possíveis motivos pelos quais a nossa diversidade musical e cultural ainda se faz inédita em grande parte do território nacional.

A ideia do Projeto BR 135 é anterior a dupla Criolina? Ou surgiu após o inicio da carreira da dupla? E qual o significado por detrás do nome do projeto?

O Criolina surgiu em 2004, enquanto o projeto BR 135 surgiu em 2012 no Circo da Cidade. O nome faz referencia à única rota por terra que nos traz a São Luís, a BR135, o caminho de entrada e saída do som.

Nos anos 70 com o surgimento do Laborarte, pela primeira tivemos um grupo de artistas reunidos para pensar uma identidade própria da cultura maranhense. Logo depois tivemos O Rabo de Vaca, nos anos 80 e 90 importantes festivais de música inclusive, anos 2000 o Festival de Música Internacional de São Luís. O Projeto BR 135 como projeto cultural se propõe a apontar novos caminhos para a música do Maranhão? Caso sim, de que forma pretende alcançar isso?

Toda movimentação que acontece com o objetivo de valorizar a cultura quebra a inércia e gera um resultado positivo.

Somos artistas incomodados, querendo romper a distância entre nosso estado e o resto do país, entre nossa produção e a produção artística de outros lugares, buscando viver de música e propor a conexão entre os vários setores que compõem a cadeia.

Novos caminhos são necessários porque o mercado da musica mudou. Com o avanço da tecnologia, a função das gravadoras mudou, e surgiram novas formas de ouvir e viver de música. O projeto se propõe a atualizar esses conceitos, ampliar os debates e aproximar os artistas dessa realidade trazendo importantes personagens para dialogar.

O foco do projeto é formação de público para música autoral local, especialmente as novas bandas/artistas com pouca visibilidade e que não são contemplados pelo calendário de festividades do estado e da prefeitura.

O Estado do Maranhão é reconhecido nacional e internacionalmente como Jamaica Brasileira. Ainda sabendo que foi de grande relevância a riqueza musical que o reggae nos trouxe ao se aglutinar com nossos outros diversos ritmos, algum dia seremos reconhecidos pela qualidade genuína de nossa musica e de nossos artistas?

O desconhecimento da nossa cultura pelo Brasil se deve à história politica de isolamento do estado em todos os sentidos, não só pela distância geográfica, mas também pela ausência de políticas públicas, ou pela não aplicação de políticas públicas com o objetivo de conectar o Maranhão com os outros estados do Nordeste, com o resto do Brasil. Nós estamos distantes de diálogos importantes, ausente de feiras de cultura, festivais no Brasil inteiro, entre outras coisas.

É necessária uma construção para se conquistar esse reconhecimento. Em minha opinião existe uma reunião de coisas que pode ajudar isso a acontecer. Políticas públicas bem aplicadas aliadas ao crescimento da cena + a divulgação dessas músicas através de uma radio pública + um amadurecimento da cena, autoestima elevada e união entre os artistas.
Isso pode contribuir, mas não é uma receita de sucesso.

Nos últimos anos tivemos a oportunidade de observar o resgate de alguns poucos grandes nomes de nossa música, que há muitos anos estiveram esquecidos, anos atrás o Sr. Antonio Vieira e mais recentemente a grande sambista Patativa. Em sua opinião por quanto tempo ainda estaremos descobrindo esses artistas somente no final de suas trajetórias?

Aqui como em qualquer lugar alguns artistas são “descobertos” no final de sua vida e alguns no início. Cartola iniciou anos 60 anos, Di melo está produzindo desde a década de 70.

É preciso reformular nossos conceitos sobre o que é “ser descoberto”, fazer sucesso. Nós como artistas, vamos esperar sermos descobertos? O sebastianismo nos paralisa. A esperança de alguém nos olhar e nos pinçar do ostracismo para o estrelato é um engano, já existiu isso no passado, onde a gravadora fazia o papel de fada madrinha, mas hoje não existe mais, é outra configuração.

É uma responsabilidade de todos nós como cidadãos reconhecer, legitimar as nossas referências, e também do poder público em construir políticas públicas para salvaguardar os ícones da nossa música. Assim como dos próprios artistas em se mobilizar para fazer acontecer o que deseja que aconteça. O estrelato não é objetivo de todos artistas.

O Projeto BR 135, em 2015 comemorou quantas edições? E existe alguma expectativa para novas edições?

Em 03 anos e 25 edições, mais de 100 shows foram realizados, envolvendo em média 700 artistas. Com palco, som e luz de qualidade, os artistas puderam apresentar seu trabalho para o público e ter sua apresentação registrada em áudio e vídeo. Também passaram pelo palco do BR 135 artistas circenses, poetas, fotógrafos, DJs e grupos folclóricos. Além disso, o BR135 promove o encontro artístico entre a nova cena e artistas de outras gerações, estimulando a continuidade da tradição de nossas referências culturais. A expectativa é que o festival aconteça uma vez por ano. Enquanto houver público e força de vontade da nossa parte, estaremos aí ad infinitum.

Em algum momento o projeto recebeu uma contrapartida por parte da Secretaria de Cultura do Estado? E de que forma você como uma das idealizadoras vê o fomento de arte e cultura ao longo dos anos da entidade?

O projeto é realizado através da Lei Estadual de Incentivo a Cultura. A lei é uma alternativa ao clientelismo, modelo de relação predatória que se pratica no estado em todas as instancias. É um importante instrumento de ampliação do acesso à cultura e de democratização da produção e do acesso ao conhecimento e à cultura.

Qualquer artista ou produtor pode escrever seus projetos, passar pela análise da comissão da lei de incentivo e ter o certificado para então captar o seu projeto com alguma empresa.  O projeto pode ser desde a gravação de um CD até a realização de festival.

Podemos citar dois exemplos, Recife e Salvador como centros onde é visível a valorização da sua cultura por parte da população. Com esse público inclusive consumindo arte e cultura produzida lá mesmo. Há quem diga que a cultura maranhense é muito mais conhecida por sujeitos de fora, em relação aos que aqui vivem. Ao seu modo de ver porque acontece isso no Maranhão?

O Maranhão começa a trilhar esse mesmo caminho, chegaremos lá, são grandes exemplos. Todo ano nós convidamos representantes desses estados para nos falar sobre desafios e  experiências. O Conecta Música, a parte de diálogos do festival, traz essas importantes discussões, esse ano recebemos gestores de vários festivais brasileiros, dois deles, Marcelo Damaso e Marcel Arêde, do festival Serasgum do Pará, palestraram sobre a construção de uma cena estadual de música.

A música pode ter um papel importante na construção da identidade e autoestima do seu povo, uma grande responsabilidade. Por isso é importante os projetos de estímulo à formação de plateia. O BR135 iniciou sem ter as condições necessárias para começar, apenas com a vontade, deu visibilidade para uma cena que está produzindo bastante e alimentando a cidade com energia criativa. Assim como o fizemos, acreditamos e estimulamos em nossas falas que qualquer artista pode e deve assumir um papel de protagonismo, como vem acontecendo com outros artistas e seus projetos (festival BR 135 é apenas um dos exemplos), preenchendo esses espaços tão necessários criando seus projetos com diferentes objetivos, valorizando diferentes nichos para cobrir o máximo possível de necessidades e demandas da cena.

Na edição de 2015 do BR 135, podemos observar a chegada de jornalistas e produtores culturais convidados, qual tem sido a avaliação dessas pessoas em relação aos trabalhos do projeto?

Eles sem dúvida ficam surpresos positivamente com os artistas que aqui encontram, com a cultura popular, com a riqueza cultural e com a oportunidade de chegar até aqui e conhecer. A avaliação que fazemos é positiva. Esse ano a Roberta Martinelli da TV Cultura, esteve presente nos três dias de festival, o que gerou um programa inteiro dedicado à música local. O objetivo é chamar atenção para a produção local e isso esta acontecendo. É um trabalho lento, de teimosia e resistência.

Quais são os critérios de avaliação para inclusão de novos artistas musicais nos palcos do Projeto BR 135? O BR 135 já pode nos indicar nomes promissores revelados por ele durante todas as edições do projeto?

Os artistas se inscrevem através de uma plataforma digital chamada toquenobrasil, e são avaliados através de uma curadoria que este ano foi formada por quatro pessoas: Gilberto Mineiro, Celso Borges, Joana Golin e Tassio Lopes (Rede Brasil de Festivais). Bandas e artistas precisam ter trabalho autoral, qualidade musical e um material decente. Nossa missão não é revelar, mas proporcionar espaço e palco a essa cena.

Com o passar dos anos vimos a música da Bahia, de Minas Gerais, de Recife e bem recentemente de Belém acontecer em cenário nacional. No Maranhão a diversidade de ritmos nos torna um dos, senão o estado de maior ebulição rítmica da federação. Somos terra de grandes poetas, temos artistas nos mais diversos gêneros da arte. Com todas essas informações qual seria o motivo pelo qual a música do Maranhão ainda não obteve a devida expressividade em âmbito nacional. 

Há de se combater o derrotismo, há de se exorcizar a incredulidade, a descrença e desconfiança em tudo que é iniciativa, a repetição constante de “mantras” negativos de que o maranhão é um fracasso, que a aqui as coisas não acontecem. Outra coisa é que não devemos condicionar o nosso amor à nossa música, à nossa cultura ao reconhecimento nacional. Não acreditamos que as coisas mudam num passe de mágica, acreditamos no reconhecimento global a partir do local. O apoio mútuo entre os fazedores de arte, o reconhecimento entre os pares, é um bom começo de conversa.


Importante citar aqui que o Blog Tempodemúsica procurou a cantora com o intuito de obter mais informações sobre o projeto. Pois entende que é um projeto com possibilidades contundentes de realizar uma quebra de paradigma no fazer musical e cultural do Maranhão. A pronta disponibilidade da cantora em nos atender merece aqui nossos sinceros agradecimentos, apesar de não compactuarmos com algumas ideias que fazem parte da filosofia de trabalho do BR 135. Ideias essas que a nosso ver tornam as grandes possibilidades do mesmo pouco factível naquilo que propõe.

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