13 de dez. de 2016

Bob Dylan - Discurso de agradecimento ao prêmio Nobel


Bob Dylan

Boa noite a todo mundo. Eu estendo minhas mais calorosas saudações aos membros da Academia Sueca e a todos os outros convidados e convidadas de distinção presentes na noite de hoje.
Sinto muito não poder estar pessoalmente com vocês, mas, por favor, saibam que absolutamente estou com vocês em espírito, e que fico honrado de receber um prêmio de tamanho prestígio. Receber o Prêmio Nobel de Literatura é algo que eu nunca teria podido imaginar, nem prever. Desde muito jovem me é familiar a experiência de ler e absorver as obras daqueles que foram considerados à altura desta distinção: Kipling, Shaw, Thomas Mann, Pearl Buck, Albert Camus, Hemingway. Sempre me causaram profunda impressão esses gigantes da literatura cuja obra é tema de aulas, fica abrigada em bibliotecas de todo o mundo e é mencionada com palavras de reverência. O fato de eu agora me juntar aos nomes dessa lista me deixa definitivamente sem palavras.
Não sei se esses homens e mulheres um dia pensaram na honra do Nobel como algo que pudesse lhes caber, mas imagino que qualquer um que escreva um livro, ou um poema, ou uma peça de teatro em qualquer lugar do mundo pode acalantar esse sonho secreto, bem no fundo. Provavelmente enterrado tão fundo que eles nem sabem que está ali.
Se um dia alguém me dissesse que eu tinha a mais remota chance de ganhar o Prêmio Nobel, eu seria obrigado a pensar que teria mais ou menos a mesma chance de pisar na lua. A bem da verdade, durante o ano em que eu nasci e por alguns anos ainda não houve ninguém no mundo que fosse considerado digno de receber este Prêmio Nobel. Então, reconheço que estou de fato na mais rara das companhias, para dizer o mínimo.
Eu estava em turnê quando recebi essa notícia surpreendente, e levei mais do que uns poucos minutos para assimilar adequadamente a ideia. Comecei a pensar em William Shakespeare, a grande figura literária. Imagino que ele se considerasse um dramaturgo. A ideia de que estivesse escrevendo literatura não podia ter lhe passado pela cabeça. Suas palavras eram escritas para o palco. Destinadas a ser pronunciadas, e não lidas. Quando estava escrevendo Hamlet, tenho certeza que ele estava pensando em muitas coisas diferentes: “Quem são os atores certos para esses papéis?” “Como isso aqui deveria ser encenado?” “Será que é a melhor ideia ambientar a peça na Dinamarca?” Sua visão criativa e suas ambições sem sombra de dúvida estavam no primeiro plano em sua mente, mas havia também questões mais prosaicas que ele devia considerar e resolver. “O financiamento está encaminhado?” “Vai haver poltronas boas para todos os mecenas?” “Onde é que eu vou arranjar uma caveira humana?” Eu seria capaz de apostar que a questão mais afastada da mente de Shakespeare era “Isso é literatura?”.
Quando comecei a escrever canções, na minha adolescência, e mesmo quando comecei a ter algum renome por causa da minha capacidade, minhas aspirações para essas canções só iam até aí. Eu achava que elas podiam ser ouvidas em cafés ou em bares, talvez em lugares como o Carnegie Hall, o London Palladium. Se estivesse sonhando bem alto, talvez pudesse imaginar que ia conseguir gravar um disco e aí ouvir minhas músicas no rádio. Era esse o grande prêmio que eu tinha mente. Gravar discos e ouvir suas próprias músicas no rádio queria dizer que você estava chegando a um grande público e que não precisava parar de fazer o que tinha decidido fazer.
Bom, eu venho fazendo o que decidi fazer já há bastante tempo. Gravei dezenas de discos e fiz milhares de shows no mundo todo. Mas as minhas canções é que são o centro vital de quase tudo que eu faço. Parece que elas encontraram um lugar na vida de muita gente de muitas culturas diferentes e sou grato por isso.
Mas tem uma coisa que eu preciso dizer. Como artista eu já toquei para 50.000 pessoas e já toquei para 50 pessoas e posso dizer a vocês que é mais difícil tocar para 50. Cinquenta mil pessoas têm uma só persona, o que não acontece com 50. Cada pessoa tem uma identidade separada, individual, um mundo todo seu. Elas podem perceber tudo com mais clareza. Sua honestidade e como ela se relaciona com a extensão do seu talento entram em julgamento. O fato de que o comitê do Nobel é tão pequeno não é algo que tenha passado despercebido para mim.
Mas, como Shakespeare, eu normalmente estou ocupado demais lidando com meus projetos criativos e tratando de todos os aspectos das questões prosaicas da vida. “Quem são os melhores músicos para essas canções?” “Será que estou gravando no estúdio certo?” “Será que essa música está no tom certo?” Certas coisas não mudam nunca, nem em 400 anos.
Nem uma única vez eu tive tempo de me perguntar, “Será que as minhas canções são literatura?”.
Então, agradeço realmente à Academia Sueca, tanto por ter parado para considerar precisamente essa questão quanto por oferecer, afinal, uma resposta tão maravilhosa.
Tudo de bom a cada um de vocês
Bob Dylan

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