Faleceu
na noite desta quinta feira, 10 de novembro de 2016, um dos maiores letrista da
música pop dos últimos cinquenta anos. Leonard Cohen é um poeta e compositor
canadense que obteve o respeito e o carinho de público e critica durante toda sua
trajetória artística. Canções como So Long Marianne, Hallelujah, Suzanne e
Sister Of Mercy são verdadeiros hinos quando o assunto é o lado mais fino e rebuscado do rock. Influência certa para nomes R.E.M, U2, Echoo And The Bunnymen, Pixies, Legião Urbana, Jeff Buckley e outros.
Abaixo um grande texto de um grande estudioso da obra de Leonard, meu amigo
Paulo Dias, todas as nossas homenagens a tudo que ele representa para a música
de qualidade, nossas homenagens ao monstro Leonard Cohen.
TRÊS É DEMAIS - LEONARD COHEN (BY PAULO DIAS)
Por
que um poeta e escritor com livros de poemas e romances publicados decidiu
seguir uma carreira na música? Leonard Norman Cohen, canadense nascido em
Montreal, quis antes de mais nada atingir novos horizontes e buscar novos
desafios. Com voz anasalada e poder poético impressionante, Leonard Cohen
adentrou na carreira musical como um fenômeno raro em 1967. Por si só o ano de
1967 foi deveras fantástico, como atesta o número impressionante de álbuns que
foram lançados, por exemplo, Velvet Underground e The Doors estrearam nesse
ano. O mundo da música folk, antes de 1967, já tinha sofrido uma revolução
quando Bob Dylan apareceu em cena. Uma outra revolução aconteceu quando o
cantor e compositor Leonard Cohen apresentou seu álbum de estreia para o mundo.
O catálogo de canções nesse álbum de estreia a explorar cirurgicamente as
relações humanas, destilando toda uma gama de sentimentos, foi de um assombro
sem precedentes na história da música. Em verdade, o bardo canadense trouxe sua
experiência literária para compor canções estilisticamente sublimes
acompanhadas por seu violão influenciado na música flamenca. Mas, o que
impressionou na época foram suas letras poéticas! A abordagem lírica de Cohen
fascinou - e ainda fascinam - inúmeros compositores e amantes da música. Tanto
esmero na construção das letras, só podia ser tarefa de um artesão das palavras
como Cohen. Com mais de 30 anos na época, Cohen largou o sucesso como escritor
e mergulhou de cabeça na música folk. O compositor de "Suzanne" foi
descoberto por John Hammond (o mesmo que descobriu Dylan) quando se apresentava
no festival folk de Newport. Antes disso, Judy Collins havia gravado duas
canções de sua autoria. Imediatamente, Cohen assinou contrato com a Columbia
Records, uniu-se ao produtor John Simon para a gravação do seu primeiro álbum,
seguido por mais dois discos fabulosos, que serão tema do presente texto.
Leonard Cohen |
O
primeiro disco do poeta canadense, Songs of Leonard Cohen, foi lançando em
dezembro de 1967. A abertura do disco fica por conta de "Suzanne" -
clássico absoluto de Cohen -, que hipnotiza qualquer ouvinte. Cohen compôs a
canção tendo como musa a amiga Suzanne Verdal, por quem ele sentia um amor
platônico. O dedilhar límpido de Cohen e o backing vocal feminimo dão um sabor
especial à melodia de "Suzanne".
Logo em seguida, vem a suprema "The Master Song" que trata
sobre um triângulo amoroso na ótica religiosa. É uma das peças mais apreciadas
do bardo canadense. A seguir, "Winter Lady" mostra o dedilhar singelo
de Leonard quando canta sobre um amor andarilho. Na canção seguinte, "The
Stranger Song" revela todo o poder poético de Cohen em construir uma letra
sobre relacionamentos amorosos. Cohen é mestre supremo em tecer letras que
esfacelam minuciosamente relacionamentos amorosos. A seguir, tem-se
"Sister Of Mercy", que Leonard compôs inspirada em duas garotas que
conheceu, num período de solidão, quando excursionava. Dois pontos a destacar
nessa canção, além da letra poética, são o canto aveludado e o dedilhar sublime
ao violão de Cohen. Na grandiosa "So Long, Marianne", Cohen
descortina seu relacionamento com a ex-esposa Marianne Jensen com os versos
maliciosos: "You held on to me like I was a crucifix \ As we went kneeling
through the dark" (Você se segurava a mim como se eu fosse um crucifixo \
Enquanto ficávamos ajoelhados no escuro). Na verdade, a letra é um retrato sagaz
do casamento que entrou em decadência.
Seguramente, "Hey, That's No Way To Say Goodbye" é uma das
canções mais perfeitas de Cohen. A poesia lírica dessa canção é de uma força
descomunal. No disco póstumo "O Último Solo" de Renato Russo, há a
gravação interessante de "Hey, That's No Way To Say Goodbye". Sem
demora, a melodia cativante de "Stories of The Street" soma-se à
letra de temática místico-social, enquanto o violão de estilo flamenco soa
firme em "Teachers". Para finalizar o álbum, a enigmática "One
of Us Cannot Be Wrong", num dedilhar bastante singelo, assemelha-se com as
canções sem refrão de Bob Dylan. Por fim, Songs Of Leonard Cohen é uma
obra-prima do folk, assim como The Freewheelin' Bob Dylan.
Abrindo
o segundo álbum, Songs From A Room, de Leonard Cohen, a fabulosa "Bird On
The Wire" - uma das melhores canções da carreira de Cohen - apresenta um
arranjo primoroso, tendo inclusive uma harpa de boca ou harpa judaica (jew's
harp), que aliás foi utilizada em várias canções do disco. Em seguida, o lado
bíblico-religioso de Cohen vem à tona em "Story of Isaac" para
contextualizar a história de Isaque com a Guerra do Vietnã, que vitimou
inúmeros jovens soldados num sacrifício banal. A seguir, no arranjo da
irregular "A Bunch Of Lonesome Heroes" há uma guitarra sussurrante,
algo pouco comum nas músicas do canadense de família judaica. Logo depois, a
balada, "The Partisan" - em homenagem à Resistência Francesa na
Segunda Guerra Mundial - é dividida em duas partes: uma cantada em inglês e a
outra em francês. A belíssima "Seems So Long Ago, Nancy" é um dos
altos do álbum. A melodia lenta e melancólica cadencia o amor livre de Nancy.
Logo depois, a harpa judaica surge novamente, desta vez, em "The Old
Revolution", cuja letra traz belas imagens poéticas como: "The hand
of your beggar is burdened down with money". Em "The Butcher",
Cohen cita de maneira singela o uso de heroína nos versos, "Well, I found
a silver needle \ I put it into my arm \ It did some good \ Did some harm"
(Bem, encontrei uma agulha prateada \ Eu a apliquei em meu braço \ Ela fez
algum benefício \ Fez algum prejuízo), ao passo que os versos diretos de
"You Know Who I Am", (por exemplo, "Às vezes, necessito de você
nua \ Às vezes, necessito de você selvagem"), mostram um Cohen mergulhado
numa paixão mais carnal. Um dos destaques do disco, "Lady Midnight",
apresenta um baixo bem marcante e um órgão suave. Fechando Songs From A Room em
grande estilo, "Tonight Will Be Fine" reverbera um amor passado que
ainda se faz presente dentro das noites do poeta. Por fim, os arranjos musicais
de Songs From A Room foram mais simples do que os de Songs Of Leonard Cohen.
Nota-se que os backing vocals femininos não predominaram como no disco
anterior, talvez porque a produção tenha ficado por conta de Bob Johnston, que
optou em cortar o coro feminino. O teor de crítica à sociedade, que privilegia
a guerra e o caos, está presente em várias letras de Cohen neste disco. A
dissecação das relações amorosas ainda foi pano de fundo em algumas letras, mas
não tão atuante como nas letras do primeiro disco de Cohen.
O
terceiro trabalho fonográfico, Songs of Love And Hate, de Leonard Cohen foi
lançado em 1971. O título do álbum já dá um direcionamento temático para as
letras, que abordam sobre relacionamentos amorosos à beira do abismo e no fio
de uma navalha. A abertura do disco é realizada por "Avalanche", cuja
letra é de uma beleza sem tamanho, beirando o desespero e o ódio. O vocal de
Cohen e o arranjo simples dão um toque de beleza especial à canção. Em seguida, o tom bíblico ecoa em "Last
Year's Man", aguçando a melancolia latente da letra. A próxima faixa,
"Dress Rehearsal Rag", narra a história lacerante de um homem
derrotado, sem forças para seguir em frente. Logo em seguida, "Diamonds In
The Mine" chega com seu pulso alegre e com um vocal bastante diferente de
Cohen. Continuando as pérolas, um dos destaques do álbum, "Love Calls You
By Your Name" é uma canção esperançosa sobre o amor e sobre amores
passados. Certamente, uma das mais belas canções de Cohen, "Famous Blue
Raincoat", tem a forma de uma carta supostamente enviada para um ex-amante
de sua companheira. O dedilhar soberano e o backing vocal ao fundo são os
pontos fortes nessa canção. Logo depois, "Sing Another Song, Boys" dá
a impressão de ser uma faixa gravada ao vivo. Fechando o excelente álbum,
"Joan Of Arc" é uma das mais impecáveis letras de Cohen, um verdadeiro
poema, cuja introdução é recitada esplendidamente por Cohen. Neste terceiro
trabalho, os arranjos musicais estão mais minimalistas do que nos dois discos
anteriores. Além disso, o vocal emotivo de Cohen está mais elaborado e
rebuscado, enquanto as letras atingiram um nível surpreendente dentro da música
folk, apresentando crônicas de amores conflitantes e relações de almas
atormentadas em busca de um abrigo na tempestade. Sem dúvida, Songs of Love And
Hate no quesito letras é o melhor álbum de Leonard Cohen.
Indiscutivelmente,
Leonard Cohen é um dos grandes poetas/letristas da música contemporânea. O zelo
na elaboração das letras é um dos focos principais do bardo canadense e em
segundo plano o encaixe das letras em suas belas melodias. Vale ressaltar que a influência de Cohen no
mundo do rock é inestimável. Compositores do quilate de Kurt Cobain, Bono, Jeff
Buckley, Ian McCulloch e entre outros afirma(ra)m categoricamente que tiveram
influência direta de Leonard Cohen. Com
apenas o primeiro álbum, Cohen já seria alçado ao patamar dos grandes
compositores da música folk, mas com o lançamento dos dois discos seguintes
confirmou-se a grandeza excepcional de Cohen como cantor e compositor.
Sobretudo, os três álbuns iniciais de Cohen formam - ao meu ver - uma trilogia
sobre relações amorosas. Ao ouvir Leonard Cohen, você se sente nos porões mais
profundos da alma; ouvi-lo é um mergulho incessante nos mares da paixão, do
amor e da solidão; ouvi-lo é uma jornada pelos desertos dos corações
apaixonados e dilacerados. Ouvir Leonard Cohen é um exercício de nobreza.
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