Se você tende a
acreditar no que ouve por aí ao invés de crer nos fatos, Syd Barrett está
morto, preso ou virou um vegetal. Na verdade, ele está mais vivo do que nunca,
na cidade onde nasceu, Cambridge, confundindo a todos com suas ideias. No
período 1966-67, Barrett tocava guitarra solo e cantava com o Pink Floyd. Ele
havia batizado a banda e compunha a maioria das músicas, incluindo os dois
únicos singles de sucesso que a banda já teve. O estilo arrepiante de sua
guitarra eletrônica e a presença de palco que sugeria um gnomo transformaram-no
em uma autêntica figura cult na nascente cena underground londrina, na época
começando a se reunir em lugares como o UFO Club e o Roundhouse. O Pink Floyd
era a banda residente do local e a música rolava até altas horas.
Cambridge fica a
uma hora de trem, partindo de Londres. Syd não vê muita gente hoje em dia.
Visitá-lo é como se intrometer em um mundo particular. “Estou desaparecendo”,
ele diz, “e evitando a maior parte das coisas”, completa. Ele parece tenso,
incomodado. Rosto chupado e pálido, Barrett reflete um permanente estado de
choque. Ainda assim, tem em si uma beleza fantasmagórica normalmente associada
aos poetas antigos. O cabelo agora é curto, despenteado, os cachos ondulados se
foram. As calças de veludo e as botas novas verdes, feitas de couro de cobra,
expressam um pequeno elo com o modo como as coisas costumavam ser. “Estou
seguindo pelo caminho inverso”, ele sorri. “Na maior parte, apenas passo o
tempo”. Ele anda bastante. “Treze quilômetros por dia”, diz. “Dará algum
resultado. Mas não sei como”.
“Me desculpe. Não
consigo falar muito coerentemente”, diz ele. “É difícil pensar em alguém
realmente interessado em mim. Mas sabe, cara, eu estou inteiro. Inclusive acho,
que eu deveria estar”. Ocasionalmente Syd responde diretamente a uma pergunta.
A maioria das respostas é fragmentada, uma sequência de pensamentos (as
palavras de “Poem V” de James Joyce estão na música “Golden Hair”). “Estou
cheio de poeira e guitarras”, diz ele.
“O único trabalho
que fiz nos últimos dois anos foi dar entrevistas. Sou muito bom nisso”, fala
Barrett. Na verdade, ele gravou dois álbuns neste período, produzidos por David
Gilmour, substituto dele na banda. The Madcap Laughs, o primeiro, ele considera
muito bom: “Um disco como uma pintura, tão grande quanto um celeiro”,
explicita. Antes do Pink Floyd decolar, Barrett estudou artes. Ele ainda pinta.
Algumas vezes são loucas florestas de bolhas grossas, às vezes linhas simples.
A favorita dele é um semicírculo branco em uma tela branca.
No porão, local
onde passa a maior parte do tempo, Barrett fica sentado cercado de pinturas e
discos, amplificadores e guitarras. Parece seguro lá, exatamente como um
personagem de uma de suas canções. Barrett diz que o músico favorito dele é
Jimi Hendrix. “Excursionei com ele, sabe. Lindsay [Korner, uma antiga namorada
dele ] e eu costumávamos sentar no fundo do ônibus. Hendrix ficava na frente.
Lindsay nos filmava. Mas nós nunca conversamos de verdade. Era sempre assim.
Ele era muito educado, melhor do que as pessoas achavam. Mas muito ciente da
própria consciência. Jimi se trancava no camarim com uma TV e não deixava
ninguém entrar”.
O próprio Syd é
conhecido por se trancar sozinho, se recusando a ver qualquer pessoa por dias.
Nos últimos meses em que fez parte do Pink Floyd, muitas vezes subia ao palco e
não tocava mais do que duas notas durante o set inteiro. Barrett: “Hendrix era
o guitarrista perfeito. E isso era tudo o que eu queria fazer quando era
criança. Tocar guitarra direito e sair pulando. Mas muita gente atrapalhou.
Sempre foi muito lento para mim. Tocar. O ritmo das coisas. Quero dizer, sou um
cara acelerado. O problema era, depois de tocar em um grupo por alguns meses,
eu não conseguia atingir esse ponto”.
“Sei que posso
parecer nervoso ou ansioso, mas é porque me sinto frustrado em termos de
trabalho, terrivelmente. A verdade é que não fiz nada este ano, provavelmente
fiquei falando, explicando tudo isso. Mas o problema da parte sobre não
trabalhar é que você fica pensando teoricamente”. Ele fala que gostaria de
montar outra banda. “Mas não consigo achar ninguém. Esse é o problema. Não sei
onde eles estão. Quero dizer, tenho uma noção que deve haver alguém para tocar
junto. Se vou tocar do jeito certo, vou precisar de gente muito boa”.
Syd deixa o porão
e sobe para uma sala calma, cheia de fotos dele e dos familiares. Ele foi uma
criança bonita. O chá inglês – bolo e biscoitos – chega. Como muitos
inovadores, Barrett parece ter perdido o reconhecimento financeiro que lhe é
devido, enquanto outros encheram os bolsos. “Eu gostaria de ser rico. Gostaria
de gastar bastante dinheiro em bens materiais e comprar comida para todos os
meus amigos”.
“Vou mostrar
minhas músicas antes de você ir embora. Acho tão empolgante. Estou feliz que
você tenha vindo”. Ele pega um caderno contendo todas as músicas dele gravadas
até o momento, cuidadosamente datilografadas, sem notações musicais. A maior
parte delas funciona também como texto escrito. Às vezes simples, às vezes
poéticas, embora nunca sem um toque de ironia. Às vezes surreais, imagens
entrelaçando-se oniricamente, ecos de um panorama mental que desafia qualquer
análise tradicional. A atual favorita de Syd é “Wolfpack”, de Barrett. É uma
canção tensa, ameaçadora, claustrofóbica. Ela termina com o seguinte verso:
"Mind the
Reflecting electricity eyes
The Life that was
ours grew sharper
and stronger away
and beyond
short wheeling
fresh spring
gripped with
blanched bones moaned
Magnesium
Proverbs and sobs
[Cuidado com os
olhos Refletindo eletricidade
A Vida que era
nossa ficou mais afiada
e mais forte ao
longe e além
curta primavera
fresca
presa com ossos
pálidos gemidos
Provérbios de
Magnésio e soluços]"
Syd Barrett acha
entediante quem canta as próprias músicas. Ele nunca gravou composições de
outros artistas. Ele pega um violão e começa a dedilhar uma nova versão de
“Love You”, presente em Madcap. “Fiz essa ontem. Acho bem melhor. É meu violão
novo de 12 cordas. Ainda estou me acostumando. Eu o poli ontem, é um Yamaha”.
Ele para e começa a afinar o instrumento, balançando a cabeça. “Nunca me senti
tão à vontade com uma guitarra quanto me sentia com aquela espelhada que eu
usava nos shows o tempo todo. Troquei-a por uma preta, mas nunca toquei com
ela”.
Hoje, Syd tem 25
anos e está preocupado com a própria velhice. “Não fui sempre assim
introvertido”, ele diz. “Acho que os jovens deviam se divertir bastante. Mas
acho que nunca me diverti”. De repente, ele aponta para a janela. “Já viu as
rosas? Tem de uma porção de cores”. Syd diz que não toma mais ácido, mas não
quer falar a respeito disso.... “Não há mais nada a ser dito”, responde. Ele
vai até o jardim e se espreguiça em um velho assento de madeira. “Uma vez que
você começa algo...”, ele diz, parecendo confuso. Então para. “Acho que não
estou a vontade para falar disso. Tenho uma mente muito irregular. E de
qualquer modo, não sou nada do que você acha que eu sou mesmo”.
Fonte: Rolling Stones Brasil
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