Chega
de Saudade – João Gilberto
Por Natan Castro
A lírica proposta pelos
cantores intérpretes da música brasileira, num período anterior a 1959 chamava
atenção por uma entonação pungente e cheia de emoção, vozeirões e vibratos que quase
sempre se sobrepunham as melodias. O ano oficial de nascimento do movimento da
Bossa Nova é 1958, mas foi um ano depois com o lançamento de Chega de Saudade que tanto o Brasil e
logo depois o mundo inteiro ficou, a saber, da nova bossa proposta por uma
turma de jovens músicos brasileiros.
O músico consegue com esse
disco uma espécie de quebra de paradigma, em posse de uma técnica vocal singela
quase sussurrada juntando isso com uma batida de violão nunca vista antes, em
acordes dissonantes está lá o nosso samba, bem como a elegância despojada do
jazz americano, mas a criação de João Gilberto não é nem a primeira coisa e muito
menos a segunda. É sim e hoje sabemos o jeito João Gilberto de tocar o violão,
esse instrumento sofre uma inversão de papéis, onde antes era só acompanhamento
passando para protagonista, pois na simbiose proposta por João Gilberto violão
e violonista precisam se fundir em uma só coisa.
O disco tem o resgate de
antigos compositores como Dorival Caymmi (Rosa Morena) e Ary Barroso (Morena
Boca de Ouro), mas a grande maioria das canções do disco fica a cargo de novos
compositores como Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, Tom Jobim e o poetinha Vinicius
de Moraes e o próprio João Gilberto. Advindo da Bahia o jovem violonista já
havia gravado alguns discos de 78 rotações, porém sem grandes reconhecimentos,
a própria canção Chega de Saudade já havia sido interpretada por Elizeth
Cardoso num disco sendo acompanhada do próprio João Gilberto.
A revolução sonora causada
pela Bossa Nova com esse disco é sem precedentes, uma tonelada de artistas
foram paridos a partir do violão de João Gilberto e das letras poéticas e
brejeiras de Vinicius e Jobim. O mais curioso é que o jazz influenciou a bossa
nova e logo depois a própria bossa nova passa influenciar músicos de jazz não
só dos Estados Unidos, mas do mundo inteiro.
Em
Ritmo de Aventura – Roberto Carlos
Não é exagero dizer que estão
contidas nesse disco duas vertentes sonoras, duas vertentes que foram
responsáveis por quase todos os sucessos radiofônicos dos trinta anos
posteriores a ele no Brasil. O primeiro é a música pop representada pela pegada roqueira de
Roberto e o pessoal da Jovem Guarda e a segunda a verve romântica que se tornou
o carro chefe da carreira do cantor dali para frente.
O rock nacional dos anos 80
deve muito a esse álbum, foi o pessoal da Jovem Guarda quem primeiro abraçou o
rock’n’roll no Brasil, somente depois de ver Roberto e Erasmo que Caetano e Gil
embarcou na possibilidade de usar a novidade como artificio para as mudanças
estético-sonoras propostas pela Tropicália. O disco é recheado de sucessos que
até hoje tocam em rádios, festas e bares do país inteiro, Como é Grande Meu Amor Por Você, Por Isso Corro Demais, De Que Vale
Tudo Isso, Eu Sou Terrível e outras. Em Ritmo de Aventura é o primeiro
grande álbum pop da música brasileira.
Clube
da Esquina – Milton Nascimento e Lô Borges
No final dos anos sessenta
em Minas Gerais uma turma de amigos, começou a se encontrar para tocar algumas
músicas, primeiro covers dos Beatles passando logo depois a escrever suas próprias
canções, mas quase sempre usando e abusando das melodias de Lennon &
McCartney. O grupo ficou conhecido depois como o Clube da Esquina, pois era na esquina da rua onde moravam os irmãos
Lô e Marcio Borges que a turma sentava para compor as primeiras músicas do
grupo. O principal integrante do grupo era o já conhecido Milton Nascimento, o
cantor já havia participado de festivais e já possuía a fama de grande revelação
da MPB.
Em 1972 Milton convidou o
jovem Lô Borges a ir para o Rio de Janeiro, para participar junto dele da gravação desse disco que se tornou um dos marcos da música mineira e claro da própria
MPB. A espécie de disco manifesto foi todo produzido com participação dos
integrantes do clube, eram eles Lô Borges, Wagner Tiso, Toninho Horta, Beto
Guedes, Fernando Brant e o próprio Milton Nascimento só para citar os mais
conhecidos, mas a turma era grande.
O registro foi importantíssimo
pela capacidade visionária de Milton perceber talentos, ele acertou em cheio
quando convidou Lô Borges para produzir e compor as canções do álbum com ele. Sabemos
que musicalmente o jovem Lô Borges sempre foi um dos mais talentosos, apesar de
talento em forma de música e letra não faltar a essa turma. O clube da Esquina
trouxe uma finese a MPB que até hoje reverbera no mundo inteiro, letras inspiradíssimas
e poéticas. Músicas como O Girassol da
Cor do Seu Cabelo e Paisagem na Janela se tornaram hinos daquela geração da
década 70. Vivíamos os anos de chumbo da repressão e em contraponto a toda a
idiotice repressiva esses jovens músicos e poetas das Minas Gerais mais uma vez
mostraram ao planeta que a arte pode sim brilhar ainda que as condições para
que ela surja seja a menos propicia possível.
Transa
– Caetano Veloso
De todos os discos do
artista baiano Transa é o mais instigante e genial. Está no disco todo o
universo Caetanista que permeou a persona do artista antes do exilio e também
está nele todos os rastros de genialidade encontrado na obra do músico de lá
para frente. O primeiro disco da fase pós-exílio teve direção e produção
musical de Jards Macalé que só teve seu nome citado nos créditos na obra de
uns anos para cá. A transa proposta pelo titulo teve na capacidade musical de
Jards Macalé a cama perfeita para a poética discursiva de Caetano.
Podemos perceber nesse disco
características que permeiam a carreira do artista até os dias atuais. A assustadora
capacidade de transformar uma canção de outro artista em outra coisa, muito das
vezes com a impressão de ter virado uma canção totalmente diferente, é o caso
de Mora na Filosofia de Mansueto
Meneses e Arnaldo Passos. A aproximação com a língua inglesa em composições inspiradíssimas
como "You Don't Know Me" e "It's a Long Way" e
claro o profundo respeito pela tradição da música brasileira quando junta
versos seus a poesia de Gregório de Matos, Triste Bahia é um dos grandes
momentos não só da música de Caetano mas também da própria MPB, nessa música o
artista procura resolver todos os danos psicológicos causados pelo fato de ter
sido mandado embora de sua terra natal, no acerto de contas psicanalítico de
Caetano a Bahia triste é o Brasil cheio de tristeza que ele e Gil foram
obrigados a deixar nas mãos da repressão militar.
A trupe de jovens músicos capitaneados
pelo maestro Jards Macalé dão ao disco o ar de registro ao vivo, uma espécie de
jam sessions muito bem elaborada onde Caetano Veloso se resolve com sua pátria mãe
intuitivamente e abre possibilidades para uma carreira fora do Brasil, passando
a partir dali exigir inconscientemente de todos o titulo de embaixador mor da
cultura nacional brasileira.
Novo
Aeon – Raul Seixas
Novo Aeon é o descaradamente
o disco mais emblemático da fase setentista da carreira de Raul Seixas. Raul
começa ao disco acendendo uma vela pra deus e outra pro diabo, Tente Outra Vez é uma espécie de hino de
perseverança e fé na vida, em contra partida em Rock do Diabo Raul tenta explicar de forma escrachada a possível
influencia do “coisa ruim” no rock. Depois disso continua o desfile de canções
atemporais e psico-filósoficas que somente Raul possui na MPB. Em A Maça que é sabidamente uma das canções
mais emblemáticas do artista, Raul Seixas faz uma reflexão profunda sobre a
relação a dois, nela o artista propõe uma relação aos moldes de Jean Paul
Sartre e Simone Beauvoir, ou seja, uma relação aberta, o artista afirma que apesar
das dores que essa relação possa causar os dois precisam se libertar das
amarras do relacionamento. E o coro continua comendo com a mais raulseixista
das canções de Raul Eu Sou Egoista é
a uma obra prima em forma de rock’n’roll onde o roqueiro explica a quem quiser entender
que a sua vontade é a coisa mais importante não só da sua carreira mais de sua
vida também.
Ainda temos reflexões de
Raul sobre o meio ambiente (Peixuxa),
o homem feito que ainda possui arroubos de adolescência (Paranóia), o seu pendão romântico brega (Tu És o MDC da Minha Vida) crise econômico-politica (É Fim de Mês) fechando com a canção new
age (Novo Aeon). Novo Aeon é o disco
mais Raulseixista de todos os seus discos.
A Peleja
do Diabo com o Dono do Céu – Zé Ramalho
O Paraibano Zé Ramalho
artista surgido na efervescente cena musical dos anos 70 de recife, de onde
também surgiram a banda Ave Sangria, Lula Cortês e Alceu Valença. A Peleja do Diabo com o Dono do Céu é o
disco que mostrou ao Brasil esse importantíssimo artista nordestino. Dizem alguns
que ficou a cargo de Zé Ramalho continuar o legado de Raul Seixas, sabemos que
existem similaridades na obra dos dois, porém com o passar do tempo podemos
verificar que Zé Ramalho trilhou seu caminho próprio, mas claro sempre
reverenciando Raul Seixas como uma de suas influencias maiores.
Nesse álbum temos canções atemporais,
Vida de Gado onde o compositor trata
da diáspora nordestina rumo aos centros em busca do vil metal, em tese uma
letra politica. Temos ainda Garoto de
Aluguel onde o artista relembra em
versos poéticos o período onde passou pela experiência como garoto de programa
no sul do país, a filosófica Beira Mar e
Pelo Pão e Pelo Vinho música que
ficou conhecidíssima na voz de Fagner. O disco é um dos momentos altos da
musica brasileira, com ele Zé Ramalho inicia a serie de grandes discos da sua
fase dos anos 80 e grava de vez seu nome como um dos mais importantes
compositores de uma geração do nordeste que ainda tinha Ednardo, Alceu Valença
e Belchior como integrantes.
Selvagem
– Paralamas do Sucesso
Selvagem
representa o auge criativo de Hebert Viana na década de 80. Canções como Alagados e Selvagem iniciam as reflexões do compositor com as questões
politico-sociais. Mas o disco vai mais além dessas característica, esse disco
meio que abriu as portas de outras sonoridades além do rock para a banda. nesse disco a
banda se afasta da influencia do Police e passa a flertar com música caribenha
mais precisamente a Jamaicana, os acordes de guitarra usados por Hebert em Alagados inclusive são advindos do calipso. Toda essa mudança nos rumos do sonoro da banda foi supervisionada no disco pelo produtor Liminha, o produtor já havia ajudado Gilberto Gil numa experiência parecida no inicio da década, Liminha era o produtor correto para a empreitada.
Selvagem representou para o
rock nacional, as mudança de ares quando pela primeira vez uma banda nacional
voltava seus alhares não somente para a música latina como para a problemática
social do terceiro mundo. O disco tem ainda uma das letras mais inspiradas de
Hebert Viana que é A Novidade. Esse disco
é constantemente citado na lista dos dez mais importantes do rock nacional, mas
se formos analisar mais profundamente ele inicia o flerte do rock brasileiro
com a própria música popular brasileira.
Ideologia
– Cazuza
Um dos motivos da saída de
Cazuza do Barão Vermelho dizem alguns foi a sua forte tendência protagonista de
imaginar a carreira, ou seja, todos sabiam que Cazuza era filho único e
percebiam ser estranho para ele, continuar numa banda tendo que dividir as
coisas com outros integrantes. Sim era bem verdade que isso aconteceu, mas não
era só isso Cazuza sempre foi criado desde cedo num ambiente MPB por excelência.
Desde cedo Cartola, Noel Rosa, Dolores Duran
foram seus primeiros ídolos na música, bem antes dos heróis do rock da
juventude. A partir da sua saída do Barão Vermelho Cazuza entendeu que seria
mais fácil produzir canções aos moldes das quais ele cantava em casa com os amigos e
parentes. E Cazuza somente só chegou a tal formula desejada com esse terceiro disco
solo. As letras do disco estão permeadas pela experiência com a AIDS, a doença que tirou sua
vida em 1990. Mas possui também muito de sua indignação com a realidade brasileira
naquele período. Vivíamos os anos Sarney na presidência, inflação no topo,
desigualdades sociais acentuadíssimas, tudo isso foi propicio para que Cazuza
escrevesse canções politicas como Ideologia
e Brasil. Ainda temos Vida Fácil uma apologia a uma vida muito
parecida com a que o poeta levava antes da AIDS e as ultra-poéticas Um Trem Para as Estrelas uma parceria
com Gilberto Gil e Faz Parte do Meu Show uma
bossa nova que talvez somente um filho da MPB revelado pelo rock’n’roll poderia
compor.
Ideologia foi o disco solo
de Cazuza que melhor sintetiza a figura do poeta genial que ele era. O disco
inicia o flerte entre rock e MPB que uma banda do Rio de Janeiro anos depois
conseguiria de fazer de forma mais objetiva.
Samba
Raro – Max de Castro
O primeiro disco de Max de
Castro faz parte de uma conspiração que a indústria brasileira teve a sorte de
ter por um determinado período. O nome dessa conspiração é TRAMA (Gravadora). Um
dos primeiros discos produzidos pela gravadora de grande importância foi esse
Samba Raro de Max de Castro, Max é o filho caçula da lenda Wilson Simonal,
mestre da musica negra do Brasil.
O disco é genial por fazer a
revisitação de uma sonoridade brasileira que a época do lançamento do disco estava
meio que esquecida. A Soul Music brasileira, o Samba Rock, Bossa Jazz e outras
coisas que a musica negra nacional nos presenteou. Max de Castro e o pessoal da
TRAMA sabia que aquele era o momento propicio para jogar luz nesse periodo, e
foi isso que aconteceu o desfile de referencias que citam Jorge Ben, Tim Maia,
Cassiano, Banda Black Rio e outros estão lá contidos nas canções, mas Max e
seus asseclas sabiam que não teria graça alguma somente reproduzir aqueles
sons, algo deveria ser feito para mesclar aquela música com a música contemporânea
e com toda a facilidade que a tecnologia atual das gravações podia proporcionar.
Max de Castro escalou Dj`s
como Patife para criar as batidas que se confundiriam com o suingue do soul e
do próprio samba, traçando o paralelo entre os períodos, criando algo novo nem
tão antigo porém nem tão atual, surgiu assim um disco contemporâneo, com aquele ar de
raridade e novidade que somente os grandes projetos musicais conseguem criar.
Nada nesse disco seria possível
é claro, se o condutor da banda Max de Castro não possuísse em seu dna sonoro o
sangue negro da velha tradição sonora que desde sempre consegue nos presentear com obras
primas como esse Samba Raro.
Ventura
– Los Hermanos
Por volta de 1999 ao comprar
uma edição da revista Bizz uma nota me chamou a atenção, era os elogios que li
numa resenha sobre o primeiro disco da banda carioca Los Hermanos. Falava-se lá de um dos mais importantes discos do
rock nacional ao lado de gente como Legião Urbana, Paralamas e outros grandes do rock
nacional.
Ao ouvir o disco gostei
achei interessante, mas nada além disso, Ana
Júlia tocou constantemente ao ponto de se tornar chata com o tempo. Bom depois
vi a banda na televisão algumas vezes, em programas de qualidade duvidosa e
depois disso eles meio que sumiram, nunca mais tinha visto falar, certo dia na
MTV saiu uma nota que a banda preparava um disco novo que seria o terceiro, que
se chamaria Ventura, um disco com
um titulo assim, pelo menos poderia jogar um pouco de curiosidade sobre seu conteúdo
sonoro. Um tempo depois o disco foi lançado e para minha
alegria e de todo apreciador da boa MPB e do bom e velho rock alternativo o
resultado foi surpreendente.
Ventura é um marco na MPB e
no Rock Nacional, a dupla de compositores Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante
meio que inventaram uma lírica nova na nossa música. Não é exagero dizer que a
última vez que isso havia acontecido foi com João Gilberto, Tom Jobim e
Vinicius nos anos dourados da Bossa Nova. A banda mudou bruscamente os caminhos
estéticos com esse disco, em tudo mesmo inclusive no visual da banda, no período
do lançamento a banda pareceu usando roupas largadas, com barbas grandes por
fazer, um visual que lembrava muito os períodos de ouro da MPB da década de 60
e 70. Apesar de parecer proposital foi sim proposital, os caras mergulharam
mais ainda nas grandes referencias da MPB, nas entrevistas Noel Rosa, Chico
Buarque, Tim Maia e outros foram citados como artistas que ajudaram a banda a
criar a sonoridade que surgiu nesse terceiro disco.
A banda no inicio ficou
conhecida no inicio por unir rock alternativo com carnaval, essa característica
ficou bastante visível no primeiro disco, mas a bajulação do mainstream nunca
foi muito bem vista pelo quarteto. Esse o motivo do sumiço depois do segundo álbum.
Diz a lenda que a banda se escondeu num sitio no interior do Rio de Janeiro
para produzir esse disco sensacional. O resultado foi a mais perfeita junção de
música brasileira com a estética pop proposta pelo rock alternativo, Marcelo
Camelo de forma magistral adaptou as notas dissonantes da bossa nova e do samba
para sua guitarra, a bateria do Barba mudou os compassos em diversos momentos
diminuindo a velocidade e deixando as levadas mais suingadas, junto disso tinha
os arranjos de teclados super bem colocados por Bruno Medina, na outra guitarra
Rodrigo Amarante tocava despretensiosamente a guitarra base como se não tivesse
nem ai para técnica nenhuma, apesar de criar não somente um jeito próprio de
tocar mais de cantar também, o lirismo das letras escritas pela dupla só caem
bem com a forma de interpretar criada pela dupla de compositores. Esse disco criou uma espécie
de messianismo por parte dos fãs no país inteiro, milhões de bandas hoje no Território Nacional
tentam criar coisas a partir da sonoridade do Ventura. E olha que isso é coisa raríssima de acontecer, só
aconteceu no Brasil duas vezes, a primeira com a Bossa Nova e a segunda com a
Legião Urbana de Renato Russo.
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