6 de out. de 2015

Top 10 - Discos Mais Importantes da MPB


Chega de Saudade – João Gilberto

Por Natan Castro

A lírica proposta pelos cantores intérpretes da música brasileira, num período anterior a 1959 chamava atenção por uma entonação pungente e cheia de emoção, vozeirões e vibratos que quase sempre se sobrepunham as melodias. O ano oficial de nascimento do movimento da Bossa Nova é 1958, mas foi um ano depois com o lançamento de Chega de Saudade que tanto o Brasil e logo depois o mundo inteiro ficou, a saber, da nova bossa proposta por uma turma de jovens músicos brasileiros.

O músico consegue com esse disco uma espécie de quebra de paradigma, em posse de uma técnica vocal singela quase sussurrada juntando isso com uma batida de violão nunca vista antes, em acordes dissonantes está lá o nosso samba, bem como a elegância despojada do jazz americano, mas a criação de João Gilberto não é nem a primeira coisa e muito menos a segunda. É sim e hoje sabemos o jeito João Gilberto de tocar o violão, esse instrumento sofre uma inversão de papéis, onde antes era só acompanhamento passando para protagonista, pois na simbiose proposta por João Gilberto violão e violonista precisam se fundir em uma só coisa.

O disco tem o resgate de antigos compositores como Dorival Caymmi (Rosa Morena) e Ary Barroso (Morena Boca de Ouro), mas a grande maioria das canções do disco fica a cargo de novos compositores como Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, Tom Jobim e o poetinha Vinicius de Moraes e o próprio João Gilberto. Advindo da Bahia o jovem violonista já havia gravado alguns discos de 78 rotações, porém sem grandes reconhecimentos, a própria canção Chega de Saudade já havia sido interpretada por Elizeth Cardoso num disco sendo acompanhada do próprio João Gilberto.

A revolução sonora causada pela Bossa Nova com esse disco é sem precedentes, uma tonelada de artistas foram paridos a partir do violão de João Gilberto e das letras poéticas e brejeiras de Vinicius e Jobim. O mais curioso é que o jazz influenciou a bossa nova e logo depois a própria bossa nova passa influenciar músicos de jazz não só dos Estados Unidos, mas do mundo inteiro.


Em Ritmo de Aventura – Roberto Carlos


Não é exagero dizer que estão contidas nesse disco duas vertentes sonoras, duas vertentes que foram responsáveis por quase todos os sucessos radiofônicos dos trinta anos posteriores a ele no Brasil. O primeiro é a música pop representada pela pegada roqueira de Roberto e o pessoal da Jovem Guarda e a segunda a verve romântica que se tornou o carro chefe da carreira do cantor dali para frente.

O rock nacional dos anos 80 deve muito a esse álbum, foi o pessoal da Jovem Guarda quem primeiro abraçou o rock’n’roll no Brasil, somente depois de ver Roberto e Erasmo que Caetano e Gil embarcou na possibilidade de usar a novidade como artificio para as mudanças estético-sonoras propostas pela Tropicália. O disco é recheado de sucessos que até hoje tocam em rádios, festas e bares do país inteiro, Como é Grande Meu Amor Por Você, Por Isso Corro Demais, De Que Vale Tudo Isso, Eu Sou Terrível e outras. Em Ritmo de Aventura é o primeiro grande álbum pop da música brasileira.


Clube da Esquina – Milton Nascimento e Lô Borges


No final dos anos sessenta em Minas Gerais uma turma de amigos, começou a se encontrar para tocar algumas músicas, primeiro covers dos Beatles passando logo depois a escrever suas próprias canções, mas quase sempre usando e abusando das melodias de Lennon & McCartney. O grupo ficou conhecido depois como o Clube da Esquina, pois era na esquina da rua onde moravam os irmãos Lô e Marcio Borges que a turma sentava para compor as primeiras músicas do grupo. O principal integrante do grupo era o já conhecido Milton Nascimento, o cantor já havia participado de festivais e já possuía a fama de grande revelação da MPB.

Em 1972 Milton convidou o jovem Lô Borges a ir para o Rio de Janeiro, para participar junto dele da gravação desse disco que se tornou um dos marcos da música mineira e claro da própria MPB. A espécie de disco manifesto foi todo produzido com participação dos integrantes do clube, eram eles Lô Borges, Wagner Tiso, Toninho Horta, Beto Guedes, Fernando Brant e o próprio Milton Nascimento só para citar os mais conhecidos, mas a turma era grande.

O registro foi importantíssimo pela capacidade visionária de Milton perceber talentos, ele acertou em cheio quando convidou Lô Borges para produzir e compor as canções do álbum com ele. Sabemos que musicalmente o jovem Lô Borges sempre foi um dos mais talentosos, apesar de talento em forma de música e letra não faltar a essa turma. O clube da Esquina trouxe uma finese a MPB que até hoje reverbera no mundo inteiro, letras inspiradíssimas e poéticas. Músicas como O Girassol da Cor do Seu Cabelo e Paisagem na Janela  se tornaram hinos daquela geração da década 70. Vivíamos os anos de chumbo da repressão e em contraponto a toda a idiotice repressiva esses jovens músicos e poetas das Minas Gerais mais uma vez mostraram ao planeta que a arte pode sim brilhar ainda que as condições para que ela surja seja a menos propicia possível.


Transa – Caetano Veloso


De todos os discos do artista baiano Transa é o mais instigante e genial. Está no disco todo o universo Caetanista que permeou a persona do artista antes do exilio e também está nele todos os rastros de genialidade encontrado na obra do músico de lá para frente. O primeiro disco da fase pós-exílio teve direção e produção musical de Jards Macalé que só teve seu nome citado nos créditos na obra de uns anos para cá. A transa proposta pelo titulo teve na capacidade musical de Jards Macalé a cama perfeita para a poética discursiva de Caetano.

Podemos perceber nesse disco características que permeiam a carreira do artista até os dias atuais. A assustadora capacidade de transformar uma canção de outro artista em outra coisa, muito das vezes com a impressão de ter virado uma canção totalmente diferente, é o caso de Mora na Filosofia de Mansueto Meneses e Arnaldo Passos. A aproximação com a língua inglesa em composições inspiradíssimas como "You Don't Know Me" e  "It's a Long Way" e claro o profundo respeito pela tradição da música brasileira quando junta versos seus a poesia de Gregório de Matos, Triste Bahia é um dos grandes momentos não só da música de Caetano mas também da própria MPB, nessa música o artista procura resolver todos os danos psicológicos causados pelo fato de ter sido mandado embora de sua terra natal, no acerto de contas psicanalítico de Caetano a Bahia triste é o Brasil cheio de tristeza que ele e Gil foram obrigados a deixar nas mãos da repressão militar.

A trupe de jovens músicos capitaneados pelo maestro Jards Macalé dão ao disco o ar de registro ao vivo, uma espécie de jam sessions muito bem elaborada onde Caetano Veloso se resolve com sua pátria mãe intuitivamente e abre possibilidades para uma carreira fora do Brasil, passando a partir dali exigir inconscientemente de todos o titulo de embaixador mor da cultura nacional brasileira.


Novo Aeon – Raul Seixas


Novo Aeon é o descaradamente o disco mais emblemático da fase setentista da carreira de Raul Seixas. Raul começa ao disco acendendo uma vela pra deus e outra pro diabo, Tente Outra Vez é uma espécie de hino de perseverança e fé na vida, em contra partida em Rock do Diabo Raul tenta explicar de forma escrachada a possível influencia do “coisa ruim” no rock. Depois disso continua o desfile de canções atemporais e psico-filósoficas que somente Raul possui na MPB. Em A Maça que é sabidamente uma das canções mais emblemáticas do artista, Raul Seixas faz uma reflexão profunda sobre a relação a dois, nela o artista propõe uma relação aos moldes de Jean Paul Sartre e Simone Beauvoir, ou seja, uma relação aberta, o artista afirma que apesar das dores que essa relação possa causar os dois precisam se libertar das amarras do relacionamento. E o coro continua comendo com a mais raulseixista das canções de Raul Eu Sou Egoista é a uma obra prima em forma de rock’n’roll onde o roqueiro explica a quem quiser entender que a sua vontade é a coisa mais importante não só da sua carreira mais de sua vida também.

Ainda temos reflexões de Raul sobre o meio ambiente (Peixuxa), o homem feito que ainda possui arroubos de adolescência (Paranóia), o seu pendão romântico brega (Tu És o MDC da Minha Vida) crise econômico-politica (É Fim de Mês) fechando com a canção new age (Novo Aeon). Novo Aeon é o disco mais Raulseixista de todos os seus discos.



A Peleja do Diabo com o Dono do Céu – Zé Ramalho


O Paraibano Zé Ramalho artista surgido na efervescente cena musical dos anos 70 de recife, de onde também surgiram a banda Ave Sangria, Lula Cortês e Alceu Valença. A Peleja do Diabo com o Dono do Céu é o disco que mostrou ao Brasil esse importantíssimo artista nordestino. Dizem alguns que ficou a cargo de Zé Ramalho continuar o legado de Raul Seixas, sabemos que existem similaridades na obra dos dois, porém com o passar do tempo podemos verificar que Zé Ramalho trilhou seu caminho próprio, mas claro sempre reverenciando Raul Seixas como uma de suas influencias maiores.

Nesse álbum temos canções atemporais, Vida de Gado onde o compositor trata da diáspora nordestina rumo aos centros em busca do vil metal, em tese uma letra politica. Temos ainda Garoto de Aluguel  onde o artista relembra em versos poéticos o período onde passou pela experiência como garoto de programa no sul do país, a filosófica Beira Mar e Pelo Pão e Pelo Vinho música que ficou conhecidíssima na voz de Fagner. O disco é um dos momentos altos da musica brasileira, com ele Zé Ramalho inicia a serie de grandes discos da sua fase dos anos 80 e grava de vez seu nome como um dos mais importantes compositores de uma geração do nordeste que ainda tinha Ednardo, Alceu Valença e Belchior como integrantes.


Selvagem – Paralamas do Sucesso


Selvagem representa o auge criativo de Hebert Viana na década de 80. Canções como Alagados e Selvagem iniciam as reflexões do compositor com as questões politico-sociais. Mas o disco vai mais além dessas característica, esse disco meio que abriu as portas de outras sonoridades além do rock para a banda. nesse disco a banda se afasta da influencia do Police e passa a flertar com música caribenha mais precisamente a Jamaicana, os acordes de guitarra usados por Hebert em Alagados inclusive são advindos do calipso. Toda essa mudança nos rumos do sonoro da banda foi supervisionada no disco pelo produtor Liminha, o produtor já havia ajudado Gilberto Gil numa experiência parecida no inicio da década, Liminha era o produtor correto para a empreitada.

Selvagem representou para o rock nacional, as mudança de ares quando pela primeira vez uma banda nacional voltava seus alhares não somente para a música latina como para a problemática social do terceiro mundo. O disco tem ainda uma das letras mais inspiradas de Hebert Viana que é A Novidade. Esse disco é constantemente citado na lista dos dez mais importantes do rock nacional, mas se formos analisar mais profundamente ele inicia o flerte do rock brasileiro com a própria música popular brasileira.


Ideologia – Cazuza


Um dos motivos da saída de Cazuza do Barão Vermelho dizem alguns foi a sua forte tendência protagonista de imaginar a carreira, ou seja, todos sabiam que Cazuza era filho único e percebiam ser estranho para ele, continuar numa banda tendo que dividir as coisas com outros integrantes. Sim era bem verdade que isso aconteceu, mas não era só isso Cazuza sempre foi criado desde cedo num ambiente MPB por excelência.

Desde cedo Cartola, Noel Rosa, Dolores Duran foram seus primeiros ídolos na música, bem antes dos heróis do rock da juventude. A partir da sua saída do Barão Vermelho Cazuza entendeu que seria mais fácil produzir canções aos moldes das quais ele cantava em casa com os amigos e parentes. E Cazuza somente só chegou a tal formula desejada com esse terceiro disco solo. As letras do disco estão permeadas pela experiência com a AIDS, a doença que tirou sua vida em 1990. Mas possui também muito de sua indignação com a realidade brasileira naquele período. Vivíamos os anos Sarney na presidência, inflação no topo, desigualdades sociais acentuadíssimas, tudo isso foi propicio para que Cazuza escrevesse canções politicas como Ideologia e Brasil. Ainda temos Vida Fácil uma apologia a uma vida muito parecida com a que o poeta levava antes da AIDS e as ultra-poéticas Um Trem Para as Estrelas uma parceria com Gilberto Gil e Faz Parte do Meu Show uma bossa nova que talvez somente um filho da MPB revelado pelo rock’n’roll poderia compor.

Ideologia foi o disco solo de Cazuza que melhor sintetiza a figura do poeta genial que ele era. O disco inicia o flerte entre rock e MPB que uma banda do Rio de Janeiro anos depois conseguiria de fazer de forma mais objetiva.


Samba Raro – Max de Castro


O primeiro disco de Max de Castro faz parte de uma conspiração que a indústria brasileira teve a sorte de ter por um determinado período. O nome dessa conspiração é TRAMA (Gravadora). Um dos primeiros discos produzidos pela gravadora de grande importância foi esse Samba Raro de Max de Castro, Max é o filho caçula da lenda Wilson Simonal, mestre da musica negra do Brasil.

O disco é genial por fazer a revisitação de uma sonoridade brasileira que a época do lançamento do disco estava meio que esquecida. A Soul Music brasileira, o Samba Rock, Bossa Jazz e outras coisas que a musica negra nacional nos presenteou. Max de Castro e o pessoal da TRAMA sabia que aquele era o momento propicio para jogar luz nesse periodo, e foi isso que aconteceu o desfile de referencias que citam Jorge Ben, Tim Maia, Cassiano, Banda Black Rio e outros estão lá contidos nas canções, mas Max e seus asseclas sabiam que não teria graça alguma somente reproduzir aqueles sons, algo deveria ser feito para mesclar aquela música com a música contemporânea e com toda a facilidade que a tecnologia atual das gravações podia proporcionar.

Max de Castro escalou Dj`s como Patife para criar as batidas que se confundiriam com o suingue do soul e do próprio samba, traçando o paralelo entre os períodos, criando algo novo nem tão antigo porém nem tão atual, surgiu assim um disco contemporâneo, com aquele ar de raridade e novidade que somente os grandes projetos musicais conseguem criar.

Nada nesse disco seria possível é claro, se o condutor da banda Max de Castro não possuísse em seu dna sonoro o sangue negro da velha tradição sonora que desde sempre consegue nos presentear com obras primas como esse Samba Raro.

 

Ventura – Los Hermanos



Por volta de 1999 ao comprar uma edição da revista Bizz uma nota me chamou a atenção, era os elogios que li numa resenha sobre o primeiro disco da banda carioca Los Hermanos. Falava-se lá de um dos mais importantes discos do rock nacional ao lado de gente como Legião Urbana, Paralamas e outros grandes do rock nacional.

Ao ouvir o disco gostei achei interessante, mas nada além disso, Ana Júlia tocou constantemente ao ponto de se tornar chata com o tempo. Bom depois vi a banda na televisão algumas vezes, em programas de qualidade duvidosa e depois disso eles meio que sumiram, nunca mais tinha visto falar, certo dia na MTV saiu uma nota que a banda preparava um disco novo que seria o terceiro, que se chamaria Ventura, um disco com um titulo assim, pelo menos poderia jogar um pouco de curiosidade sobre seu conteúdo sonoro. Um tempo depois o disco foi lançado e para minha alegria e de todo apreciador da boa MPB e do bom e velho rock alternativo o resultado foi surpreendente.

Ventura é um marco na MPB e no Rock Nacional, a dupla de compositores Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante meio que inventaram uma lírica nova na nossa música. Não é exagero dizer que a última vez que isso havia acontecido foi com João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius nos anos dourados da Bossa Nova. A banda mudou bruscamente os caminhos estéticos com esse disco, em tudo mesmo inclusive no visual da banda, no período do lançamento a banda pareceu usando roupas largadas, com barbas grandes por fazer, um visual que lembrava muito os períodos de ouro da MPB da década de 60 e 70. Apesar de parecer proposital foi sim proposital, os caras mergulharam mais ainda nas grandes referencias da MPB, nas entrevistas Noel Rosa, Chico Buarque, Tim Maia e outros foram citados como artistas que ajudaram a banda a criar a sonoridade que surgiu nesse terceiro disco.

A banda no inicio ficou conhecida no inicio por unir rock alternativo com carnaval, essa característica ficou bastante visível no primeiro disco, mas a bajulação do mainstream nunca foi muito bem vista pelo quarteto. Esse o motivo do sumiço depois do segundo álbum. Diz a lenda que a banda se escondeu num sitio no interior do Rio de Janeiro para produzir esse disco sensacional. O resultado foi a mais perfeita junção de música brasileira com a estética pop proposta pelo rock alternativo, Marcelo Camelo de forma magistral adaptou as notas dissonantes da bossa nova e do samba para sua guitarra, a bateria do Barba mudou os compassos em diversos momentos diminuindo a velocidade e deixando as levadas mais suingadas, junto disso tinha os arranjos de teclados super bem colocados por Bruno Medina, na outra guitarra Rodrigo Amarante tocava despretensiosamente a guitarra base como se não tivesse nem ai para técnica nenhuma, apesar de criar não somente um jeito próprio de tocar mais de cantar também, o lirismo das letras escritas pela dupla só caem bem com a forma de interpretar criada pela dupla de compositores. Esse disco criou uma espécie de messianismo por parte dos fãs no país inteiro, milhões de bandas hoje no Território Nacional tentam criar coisas a partir da sonoridade do Ventura. E olha que isso é coisa raríssima de acontecer, só aconteceu no Brasil duas vezes, a primeira com a Bossa Nova e a segunda com a Legião Urbana de Renato Russo.



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