Raul Seixas escreveu um
dos capítulos mais singulares da música brasileira. Sempre foi visível a
aversão do artista contra quase tudo no sistema estabelecido, talvez o mais genuíno
anarquista da classe artística parida na safra da virada dos 60 para os 70, o
roqueiro baiano deve ser encarado dessa forma, anarquista e revolucionário em vertentes
diversas. Nunca se enquadrar nos ditos parâmetros impostos pelo status quo era
talvez sua principal característica. É um engano pensar toda a trajetória de
Raul Seixas parecida com outros pares de seu tempo no Brasil. Insistir e chamar
a atenção para o caráter multifacetado de sua persona é o mais apropriado a se fazer.
Raul sabia desde sempre o quanto era ousada a mensagem por detrás de suas
letras, sua imagem que oscilava entre o rock star nacional, o filósofo
dos temas universais e por fim o messias das massas. O que o difere em muito de
diversos outros grandes artistas do seu tempo é exatamente a incrível capacidade
de se comunicar, interagir e dessa forma se fazer entender em todas as camadas
da sociedade organizada. Pouquíssimos artistas alcançaram tal façanha. A música
de Raul Seixas é consumida por antigas e novas gerações de todas as classes sociais
do país, em contrapartida nunca existiu de sua parte uma tentativa de
simplificar seu texto, detalhe esse que demonstra o tamanho
respeito pelo seu público em geral. Ao cantar sobre filosofia, politicas e
lutas o faz magistralmente se fazendo entender por todos, além de um genuíno
artista de musica popular, um grande comunicador de massas.
No inicio dos anos 80 Raul
Seixas passou por um dos períodos mais difíceis de sua carreira, o artista se
viu esquecido por cerca de dois, três anos. Gravadoras, empresários
visivelmente evitavam o artista. Parte desse desinteresse por culpa própria
devido ao uso abusivo de álcool e drogas. No ano de 1983 algo inusitado
aconteceu, e tal acontecimento aparece na trajetória do artista como um dos
mais curiosos. Nesse ano Raul Seixas foi convidado pela Rede Globo para participar
de um especial de televisão voltado para o público infantil. O especial Plunct, Plact, Zuum foi um dos maiores
sucessos de audiência da Rede Globo naquele ano, chegando a ganhar medalha de
prata no International TV Film of New York. O nome do especial foi retirado de
um trecho de uma música composta por Raul Seixas para o especial, a canção era
o Carimbador Maluco. O que poucos perceberam foi a magistral jogada de mestre
do grande Raul Seixas, depois de um bom tempo sendo evitado pelo sistema
(gravadoras, empresários, o showbizz em si) Raulzito retorna num especial
infantil da Globo. Diversos fãs, amigos e admiradores da trajetória artística de
Raul Seixas o taxaram de entreguista, em suma de ter se rebaixado as mãos
malignas do sistema.
A verdade de fato era totalmente outra, a letra da música Carimbador
Maluco não passa de uma critica feroz e bastante contundente a esse próprio sistema
que o artista tanto rebateu e criticou em vida, baseada em suas leituras sobre
o anarquismo, Raul imprimiu na letra fortes pitadas de seu sarcasmo característico,
a parte da letra que diz: Plunct, Plact,
Zuum se refere ao barulho feito por um carimbo ao fixar num documento
normas e deveres, a critica a burocracia desacerbada do sistema, o carimbo
aparece na letra como um dos símbolos da supremacia do sistema capitalista e
todas suas trágicas consequências no âmbito econômico e social de nossa
sociedade. O trecho que diz: tem que ser
selado, carimbado, avaliado, rotulado se quiser voar. Confirma a mordacidade
nas entrelinhas da letra, algo que passou despercebido por conta de sua incrível
capacidade de composição. Raul Seixas como um dos mestres da música de
protesto, se apropria dessa incrível capacidade para burlar o sistema, com a
ajuda do público infantil o artista celebrou seu retorno aos braços do sucesso,
porém sem esquecer-se de deixar sua marca de inconformismo num programa de
imensa audiência nacional da Rede Globo a maior rede de comunicação do país, o
mestre voltava para trincheira dos debates na vida e na arte empunhando sua
guitarra mais vivo e genial que nunca.
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