Entrevistamos por e-mail a cantora Luciana Simões, que é integrante
do grupo Criolina juntamente com o
músico e cantor Alê Muniz, Luciana
também é uma das idealizadoras do Projeto
Cultural BR 135. Nos últimos anos o projeto é um dos poucos voltados para a
divulgação dos artistas musicais do Estado do Maranhão. Na entrevista a cantora
faz um balanço do projeto depois de algumas edições, dos desafios de tornar a
música e a cultura maranhense mais próxima dos principais centros culturais do
país, e possíveis motivos pelos quais a nossa diversidade musical e cultural
ainda se faz inédita em grande parte do território nacional.
A
ideia do Projeto BR 135 é anterior a dupla Criolina? Ou surgiu após o inicio da
carreira da dupla? E qual o significado por detrás do nome do projeto?
O Criolina surgiu em 2004, enquanto o projeto BR 135 surgiu em 2012
no Circo da Cidade. O nome faz referencia à única rota por terra que nos traz a
São Luís, a BR135, o caminho de entrada e
saída do som.
Nos
anos 70 com o surgimento do Laborarte, pela primeira tivemos um grupo de
artistas reunidos para pensar uma identidade própria da cultura maranhense.
Logo depois tivemos O Rabo de Vaca, nos anos 80 e 90 importantes festivais de
música inclusive, anos 2000 o Festival de Música Internacional de São Luís. O
Projeto BR 135 como projeto cultural se propõe a apontar novos caminhos para a
música do Maranhão? Caso sim, de que forma pretende alcançar isso?
Toda movimentação que acontece com o objetivo de valorizar a cultura
quebra a inércia e gera um resultado positivo.
Somos artistas incomodados, querendo romper a distância entre nosso
estado e o resto do país, entre nossa produção e a produção artística de outros
lugares, buscando viver de música e propor a conexão entre os vários setores
que compõem a cadeia.
Novos caminhos são necessários porque o mercado da musica mudou. Com
o avanço da tecnologia, a função das gravadoras mudou, e surgiram novas formas
de ouvir e viver de música. O projeto se propõe a atualizar esses conceitos,
ampliar os debates e aproximar os artistas dessa realidade trazendo importantes
personagens para dialogar.
O foco do projeto é formação de público para música autoral local,
especialmente as novas bandas/artistas com pouca visibilidade e que não são
contemplados pelo calendário de festividades do estado e da prefeitura.
O
Estado do Maranhão é reconhecido nacional e internacionalmente como Jamaica
Brasileira. Ainda sabendo que foi de grande relevância a riqueza musical que o
reggae nos trouxe ao se aglutinar com nossos outros diversos ritmos, algum dia
seremos reconhecidos pela qualidade genuína de nossa musica e de nossos
artistas?
O desconhecimento da nossa cultura pelo Brasil se deve à história
politica de isolamento do estado em todos os sentidos, não só pela distância
geográfica, mas também pela ausência de políticas públicas, ou pela não
aplicação de políticas públicas com o objetivo de conectar o Maranhão com os
outros estados do Nordeste, com o resto do Brasil. Nós estamos distantes de
diálogos importantes, ausente de feiras de cultura, festivais no Brasil
inteiro, entre outras coisas.
É necessária uma construção para se conquistar esse reconhecimento. Em
minha opinião existe uma reunião de coisas que pode ajudar isso a acontecer.
Políticas públicas bem aplicadas aliadas ao crescimento da cena + a divulgação
dessas músicas através de uma radio pública + um amadurecimento da cena, autoestima
elevada e união entre os artistas.
Isso pode contribuir, mas não é uma receita de sucesso.
Nos
últimos anos tivemos a oportunidade de observar o resgate de alguns poucos
grandes nomes de nossa música, que há muitos anos estiveram esquecidos, anos
atrás o Sr. Antonio Vieira e mais recentemente a grande sambista Patativa. Em
sua opinião por quanto tempo ainda estaremos descobrindo esses artistas somente
no final de suas trajetórias?
Aqui como em qualquer lugar alguns artistas são “descobertos” no
final de sua vida e alguns no início. Cartola iniciou anos 60 anos, Di melo
está produzindo desde a década de 70.
É preciso reformular nossos conceitos sobre o que é “ser descoberto”,
fazer sucesso. Nós como artistas, vamos esperar sermos descobertos? O
sebastianismo nos paralisa. A esperança de alguém nos olhar e nos pinçar do
ostracismo para o estrelato é um engano, já existiu isso no passado, onde a
gravadora fazia o papel de fada madrinha, mas hoje não existe mais, é outra
configuração.
É uma responsabilidade de todos nós como cidadãos reconhecer,
legitimar as nossas referências, e também do poder público em construir
políticas públicas para salvaguardar os ícones da nossa música. Assim como dos
próprios artistas em se mobilizar para fazer acontecer o que deseja que
aconteça. O estrelato não é objetivo de todos artistas.
O
Projeto BR 135, em 2015 comemorou quantas edições? E existe alguma expectativa
para novas edições?
Em 03 anos e 25 edições, mais de 100 shows
foram realizados, envolvendo em média 700 artistas. Com palco, som e luz de qualidade,
os artistas puderam apresentar seu trabalho para o público e ter sua
apresentação registrada em áudio e vídeo. Também passaram pelo palco do BR 135
artistas circenses, poetas, fotógrafos, DJs e grupos folclóricos. Além disso, o
BR135 promove o encontro artístico entre a nova cena e artistas de outras
gerações, estimulando a continuidade da tradição de nossas referências
culturais. A expectativa é que o festival aconteça uma vez por ano. Enquanto
houver público e força de vontade da nossa parte, estaremos aí ad infinitum.
Em
algum momento o projeto recebeu uma contrapartida por parte da Secretaria de
Cultura do Estado? E de que forma você como uma das idealizadoras vê o fomento
de arte e cultura ao longo dos anos da entidade?
O projeto é realizado através da Lei Estadual
de Incentivo a Cultura. A lei é uma alternativa
ao clientelismo, modelo de relação predatória que se pratica no estado em todas
as instancias. É um importante instrumento de ampliação do acesso à cultura e
de democratização da produção e do acesso ao conhecimento e à cultura.
Qualquer artista ou produtor
pode escrever seus projetos, passar pela análise da comissão da lei de
incentivo e ter o certificado para então captar o seu projeto com alguma
empresa. O projeto pode ser desde a
gravação de um CD até a realização de festival.
Podemos
citar dois exemplos, Recife e Salvador como centros onde é visível a
valorização da sua cultura por parte da população. Com esse público inclusive
consumindo arte e cultura produzida lá mesmo. Há quem diga que a cultura
maranhense é muito mais conhecida por sujeitos de fora, em relação aos que aqui
vivem. Ao seu modo de ver porque acontece isso no Maranhão?
O Maranhão começa a trilhar esse mesmo caminho, chegaremos lá, são
grandes exemplos. Todo ano nós convidamos representantes desses estados para
nos falar sobre desafios e experiências.
O Conecta Música, a parte de diálogos do festival, traz essas importantes
discussões, esse ano recebemos gestores de vários festivais brasileiros, dois
deles, Marcelo Damaso e Marcel Arêde, do festival Serasgum do Pará, palestraram
sobre a construção de uma cena estadual de música.
A música pode ter um papel importante na construção da identidade e
autoestima do seu povo, uma grande responsabilidade. Por isso é importante os
projetos de estímulo à formação de plateia. O BR135 iniciou sem ter as
condições necessárias para começar, apenas com a vontade, deu visibilidade para
uma cena que está produzindo bastante e alimentando a cidade com energia
criativa. Assim como o fizemos, acreditamos e estimulamos em nossas falas que
qualquer artista pode e deve assumir um papel de protagonismo, como vem
acontecendo com outros artistas e seus projetos (festival BR 135 é apenas um
dos exemplos), preenchendo esses espaços tão necessários criando seus projetos
com diferentes objetivos, valorizando diferentes nichos para cobrir o máximo
possível de necessidades e demandas da cena.
Na
edição de 2015 do BR 135, podemos observar a chegada de jornalistas e
produtores culturais convidados, qual tem sido a avaliação dessas pessoas em
relação aos trabalhos do projeto?
Eles sem dúvida ficam surpresos positivamente com os artistas que
aqui encontram, com a cultura popular, com a riqueza cultural e com a
oportunidade de chegar até aqui e conhecer. A avaliação que fazemos é positiva.
Esse ano a Roberta Martinelli da TV Cultura, esteve presente nos três dias de
festival, o que gerou um programa inteiro dedicado à música local. O objetivo é
chamar atenção para a produção local e isso esta acontecendo. É um trabalho
lento, de teimosia e resistência.
Quais
são os critérios de avaliação para inclusão de novos artistas musicais nos palcos
do Projeto BR 135? O BR 135 já pode nos indicar nomes promissores revelados por
ele durante todas as edições do projeto?
Os artistas se inscrevem através de uma plataforma digital chamada toquenobrasil, e são avaliados através de uma curadoria que este ano foi formada
por quatro pessoas: Gilberto Mineiro, Celso Borges, Joana Golin e Tassio Lopes
(Rede Brasil de Festivais). Bandas e artistas precisam ter trabalho autoral,
qualidade musical e um material decente. Nossa missão não é revelar, mas
proporcionar espaço e palco a essa cena.
Com
o passar dos anos vimos a música da Bahia, de Minas Gerais, de Recife e bem
recentemente de Belém acontecer em cenário nacional. No Maranhão a diversidade
de ritmos nos torna um dos, senão o estado de maior ebulição rítmica da
federação. Somos terra de grandes poetas, temos artistas nos mais diversos
gêneros da arte. Com todas essas informações qual seria o motivo pelo qual a
música do Maranhão ainda não obteve a devida expressividade em âmbito
nacional.
Há de se combater o derrotismo, há de se exorcizar a incredulidade,
a descrença e desconfiança em tudo que é iniciativa, a repetição constante de “mantras”
negativos de que o maranhão é um fracasso, que a aqui as coisas não acontecem.
Outra coisa é que não devemos condicionar o nosso amor à nossa música, à nossa
cultura ao reconhecimento nacional. Não acreditamos que as coisas mudam num
passe de mágica, acreditamos no reconhecimento global a partir do local. O
apoio mútuo entre os fazedores de arte, o reconhecimento entre os pares, é um
bom começo de conversa.
Importante citar aqui que o Blog Tempodemúsica procurou a cantora com o intuito de obter mais informações sobre o projeto. Pois entende que é um projeto com possibilidades contundentes de realizar uma quebra de paradigma no fazer musical e cultural do Maranhão. A pronta disponibilidade da cantora em nos atender merece aqui nossos sinceros agradecimentos, apesar de não compactuarmos com algumas ideias que fazem parte da filosofia de trabalho do BR 135. Ideias essas que a nosso ver tornam as grandes possibilidades do mesmo pouco factível naquilo que propõe.
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